CREATIVE CONNECTIONS

A voz dos alunos como ponto de partida do processo educativo

Autores: Equipa espanhola

“Much youth research is hence concerned with giving voice to young people and to promoting a better understanding of their worlds”. (Heath, Brooks, Cleaver & Ireland: 2009: 13)

A escola promotora da voz ativa de todo o cidadão surge após o projeto emancipatório da Revolução Francesa (Dubet, 2010). Esta escola teve como um dos seus objetivos gerais contribuir para a formação de cidadãos ativos e participativos nas tomadas de decisão do governo da Nova República Francesa. Este novo paradigma esperava dos cidadãos franceses novas posturas, que abandonassem atitudes de passividade, tornando-se cidadãos ativos e envolvidos em todas as tomadas de decisão que pudessem ter implicações futuras nas suas próprias vidas. Esta mudança de posição levou os cidadãos franceses a apropriarem-se dos processos (a capacidade de agência) tornando-os conscientes do poder da sua voz na expressão das suas ideias.

Foi apoiado neste referencial teórico, que envolve mudanças de atitudes e de pensamento, que o Creative Connections desenvolveu uma série de projetos gerados pelos alunos e que estabelecessem uma relação entre as artes visuais e a cidadania. O Creative Connections pretendeu também ser uma fonte de investigação educacional que permitisse construir uma base de dados criada a partir das vozes dos alunos, geradas não só em sala de aula, mas também pelas vias de comunicação proporcionadas pelo mundo virtual (http://creativeconnexions.eu/) dando assim voz aos alunos participantes. Neste contexto ter voz ativa aparece como palavra-chave neste projeto. Promover o sentido de cidadão europeu envolvido, através de uma participação democrática tornou-se num eixo central deste projeto, indo para além das preocupações dos cidadãos que se resumem às eleições europeias a cada quatro anos. No contexto europeu atual é possível usar as escolas como lugares que contribuam para estudar as condições, possibilidades e dificuldades na criação de um espaço comum de troca de ideias que possam ultrapassar as fronteiras mentais e interesses localmente focalizados. Estes aspetos são particularmente importantes em tempos da desigualdade social em que as ideologias dos mais favorecidos, pela irresponsabilidade de alguns, a ganância de outros, a inibição da maioria, nos faz questionar se a Comissão Europeia se apresenta com uma liderança que represente os interesses de todos. Neste contexto tenso, a voz é mais do que apenas gerar a participação dos alunos. Assim quando falamos em dar-lhes uma voz, ter voz, expressando a sua voz, somos confrontados com perguntas tais como:

 

Quem está autorizado a dar a voz?

Para dar voz, não estamos a criar posições dominantes?

No projeto Creative Connections recolhemos frases e perguntas dos alunos colocadas nas suas escolas, que decidimos que seriam as questões-chave do desenvolvimento da autoria (agência), criando as condições para que as vozes dos alunos participantes pudessem emergir. A questão da voz, como Hargreaves (1996-1997) nos refere, é um objetivo louvável, mas requer cautela quando usado em investigações e em projetos educacionais. É prudente considerar que, como nos relembra Back’s (2007), no coração de toda a investigação social permanece uma tensão dialética inevitável entre o dom e roubo, apropriação e a troca, a interação e o roubo de histórias.

Portanto, não é necessariamente uma questão de dar voz aos alunos, mas encontrar e gerenciar as condições de exteriorizar as suas próprias vozes. Assim, a voz não é algo que é dado mas sim registado. É necessário dizer que voz "é dado" quando, na verdade, esta é utilizada como estratégia para legitimar processos e para reduzir os fatos de acordo com as intenções dos investigadores ou professores, mas não de acordo com aqueles que generosamente, como Black (2007) nos refere, nos dá as suas vozes.

Como Thomson (2008:7) refere, “quando se considera num projeto investigar com e não sobre as vozes dos alunos, os professores e investigadores devem mudar as relações de poder que fazem parte da investigação (ou projeto) e do contexto em que essa investigação (ou projeto) se desenvolve”. “O fato é que as relações de poder, relacionadas com a classe social, género, etnia, deficiência, sexualidade e idade podem restringir as relações sociais e pode limitar o que pode ser dito e como pode ser dito” (Thomson, 2008: 7), bem como, a forma como se ouve (Ellsworth, 2005). No entanto, torna-se necessário evitar práticas de investigação se tornem "como se" (Lerena, 1983) de autoria (perda de voz), quando os investigadores ou professores fornecem instruções sobre, por exemplo, exatamente quantas fotos estão a ser usadas e quais os temas que devem ser escolhidos. Desta forma, "muita da investigação inovadora e participativa são simplesmente uma forma ou a extensão de práticas tradicionais adotadas ao longo da investigação etnográfica" (Holanda, Renold, Hillman e Ross, 2010:362).

O uso da voz depende do contexto social em que tal é possível e requer processos e estratégias para as tornar visíveis. Uma das professoras envolvidas no projeto pediu um tempo de espera antes de começar a desenvolver o projeto, porque o grupo de jovens manifestava desconforto acerca das matérias relacionadas com as artes. Se a gestão do projeto tivesse autorizado a professora a iniciar no momento em que queria correr-se-ia o risco de os alunos inibirem as suas decisões de participação requeridas pelo projeto. Não se deve esquecer que ser capaz de dizer o que se pensa e o que é desejado, depende muito de como é perguntado, quem o faz e o que se espera dos alunos com os quais o projeto é desenvolvido. A realização de investigações que lidem com a voz significa ouvir tudo tal e qual como é dito o que pode, ou não, refletir o que esperamos (Thomson, 2008:4).

Em conclusão, a voz não é apenas sobre quem tem algo a dizer, mas também se refere à linguagem, à componente emocional e aos meios não-verbais utilizados para expressarem as opiniões. Prestando atenção, a voz não é apenas uma questão de questionar, mas a forma do impacto da tomada de decisão, uma vez que se argumenta que a voz pode transmitir uma forma democrática de pensar e de aprender (Holanda, Reynold, Ross e Hillman 2010). Daí a importância do Creative Connections onde os alunos puderam usar a sua própria língua, não só na comunicação com as obras de artistas, mas criando os seus projetos de arte, evitando que os professores e investigadores reduzissem as suas vozes a dados ou a respostas que confirmassem as suas próprias expectativas. Isto é suposto ser um grande desafio, para os investigadores obrigando-os a abandonarem a sua zona de conforto, onde normalmente se situam, quando trabalham em projeto e investigação em educação.

Processos das narrativas

Ao longo do projeto, foram recolhidas uma série de evidências a partir dos comentários dos alunos sobre as suas próprias experiências e sobre o processo educativo gerado pelo Creative Connections. Os alunos foram capazes de dar conta das suas vozes através da sua produção de obras de arte e da discussão sobre os processos artísticos e significados das suas criações finais. Ao longo do processo todos os alunos, professores e investigadores envolvidos no projeto recolheram as opiniões e experiências dos alunos. Reflexões e comentários dos alunos foram recolhidos por meio de inquérito por entrevistas e por questionário e pareceres escritos desses alunos no site criado para o efeito. Foram também recolhidas, através de vídeos e de fotografias as conversas efetuadas em sala de aula e no ambiente escolar de cada escola. O material recolhido por todos os países participantes, constituído por uma série de comentários e histórias de alunos sobre o seu envolvimento no Creative Connections (CC) poderá ser muito útil para futuras investigações e será mostrado numa futura nova página da web do projeto. Esses comentários foram organizados em torno dos seguintes tópicos:

  • Reflexões/Comentários de sua própria obra de arte
  • Reflexões/Comentários sobre a arte (percepções, abordagens, mudanças no conceito, etc.)
  • Reflexões/Comentários das experiências de CC em seu próprio processo escolar.
  • Reflexões /Comentários sobre a Europa (o que eles pensam sobre a Europa? O que significa para eles ser cidadão europeu.)

Referências bibliográficas

Dubet, F. (2010). Mutacions institucionals i/o neoliberlisme? Quaderns d’Educaió continuada, 22, 105-121.

Ellsworth, E. (2005). Posiciones en la enseñanza. Diferencia, pedagogía y poder de la direccionalidad. Madrid: Akal.

Hargreaves, A. (1996-1997). A vueltas con la voz. Kikirikí. Cooperación educative, 42-43, 28-34.

Heath, S., Brooks, R., Cleaver, E. & Ireland E. (2009). Researching young people’s lives. London: Sage Publications.

Holland, Renold, Ross & Hillman (2010). Power, agency and participatory agendas: A critical exploration of young people’s engagement in participative qualitative research. Childhood, 17(3), 360–375.

Lerena, C. (1983). Reprimir y liberar: critica sociológica de la educación y de la cultura contemporáneas. Madrid: Akal.

Back, L. (2007). The Art of Listening. Oxford & Ne w York: Berg Publishers.

Thomson, P. (2008). Doing research with children and young people. London: Routledge.