Frei Bartolomeu dos Mártires - Portugal

Equipa de Investigação: Anabela Moura (Coordenadora Nacional do Projeto CC); Teresa Gonçalves; Ana Peixoto; João Moura Alves; Carlos Almeida; João Pereira

 

Autores: Anabela Moura (CN) e docente da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo (ESE-IPVC), Isabel Garrocho, (IG), professora de arte participante, do Agrupamento de Escolas EB 2,3 Frei Bartolomeu dos Mártires (EFBM),Viana do Castelo. João Pereira (JP), investigador da equipa Portuguesa e responsável pelo Centro de Informática da ESE-IPVC, suportou o apoio ao nível as Tecnologias de Informação e Comunicação.

 

Contexto
Este estudo de caso descreve atividades de uma intervenção curricular numa Escola de Ensino Básico intitulada Agrupamento de Escolas, EB 2,3 de Frei Bartolomeu dos Mártires (EFBM), em Viana do Castelo, Norte de Portugal, sob a orientação de uma professora de artes (IG) e 20 alunos (12 raparigas e 8 rapazes) da turma do 5ºA, com idades compreendidas entre os 10 e os15 anos, no ano de 2012/2013. Esta intervenção, com o nome de Arte, Identidade e Tradição, faz parte do projeto Creative Connections (CC), desenvolvido em Portugal (Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, ESE-IPVC) e em mais cinco países Europeus. A coordenadora nacional (CN) do projeto e a professora participante (IG) possuem formação em Educação Artística. Esta intervenção contou também com a colaboração do especialista de informática da ESE-IPVC, JP, que apoiou as reuniões via Skype entre as equipas checa e portuguesa, bem como a utilização de blogues (suportados no sitio web http://creativeconnexions.eu/pt) e a utilização do banco de imagens do projecto. A equipa da EFBM colaborou com a equipa de uma escola com crianças do mesmo nível etário, na cidade de Praga.
A EFBM localiza-se em Santa Maria Maior, uma freguesia com cerca de com 2,32 km² de área e 10 645 habitantes (http://www.jf-StaMariaMaior.com). A população estudantil é predominantemente católica e esta escola tem uma pequena percentagem de imigrantes da Europa de Leste, Ásia Oriental e África. A maioria dos pais possuem o ensino secundário, mas não uma formação superior e três alunos têm necessidades educativas especiais, sendo apoiados por técnicos de educação dessa área. IG colaborou com a ESE-IPVC durante cerca de 20 anos, como supervisora de professores de arte na disciplina de Prática Pedagógica do Curso de Professores de Ensino Básico, Variante de Educação Visual e Tecnológica, até 2009.
Finalidades e Estrutura
IG assistiu no mês de Setembro de 2012 a uma sessão de preparação profissional na ESE-IPVC e escolheu o tema "Arte, Identidade e Tradição" como foco da sua acção, alicerçando-a nalguns recursos materiais criados pela equipa do projeto internacional anterior, intitulado Imagens e Identidade (I&I), desenvolvido também na ESE-IPVC com a CN. A tarefa de gravação das sessões foi assegurada por um observador externo que fez a recolha de dados dessa e de mais três investigações – acção que foram acompanhadas pelos restantes investigadores da equipa Portuguesa. Foram gravados em vídeo debates entre estudantes e professora, sendo que  os dados recolhidos forneceram informação fundamental à professora de arte e à CN. Outros dados recolhidos entre Setembro e Dezembro de 2013 incluíram notas de campo resultantes da observação, registos no diário da professora, comentários orais e escritos e trabalhos de arte dos estudantes, reflexões resultantes dos contactos entre os alunos Portugueses e Checos nos blogues criados para esse efeito e a transcrição de uma reunião skype na ESE-IPVC entre as equipas Portuguesa e Checa sobre os trabalhos em curso. As observações foram registadas de acordo com uma lista de tópicos: Intervenção curricular da professora; atitudes dos estudantes evidenciadas ao longo das atividades; entendimento cultural e social do mundo em que os estudantes vivem; e familiarização dos estudantes com questões sociais contemporâneas, usando exemplos visuais de arte europeia.

 

O Estudo
Esta intervenção curricular decorreu em oito sessões de 90 minutos semanais, durante um período de oito semanas, envolvendo uma abordagem estruturada que incluiu conceitos de ‘arte contemporânea’, ‘identidade’, tradição’ e democracia. Os pais e a Direção da Instituição escolar deram autorização para ser utilizada a fotografia como meio de pesquisa, durante as atividades e no relatório final do CC. A CN colaborou com a professora participante na organização do plano de acção da intervenção curricular.

Investigação em Acção:
A investigação – acção de IG partiu de uma exploração inicial de questões relacionadas com a identidade e os estudantes foram particularmente motivados a discutir os seus problemas locais, e a compreender que a identidade pessoal está constantemente em transformação, como resultado de fatores externos, tais como a influência dos meios de comunicação e as viagens. Os estudantes refletiram também sobre a noção de identidade cultural comum dos grupos populacionais em termos locais e globais e exploraram os temas relacionados com identidade europeia e cidadania. O primeiro passo desta intervenção curricular envolveu trabalho dos alunos que focou a descoberta dos seus aspetos individuais, tais como o seu nome, idade, casa, família, gostos pessoais, a sua cidade e outros e a análise da obra de José de Guimarães intitulada Auto-Retrato (Fig.1), um artista português que colaborou no Projecto Internacional anterior Images & Identity (I&I, www.image-identity.eu) e a sua obra fazia também parte do banco de imagens do CC.

O segundo passo do projecto envolveu discussão sobre o significado dos conceitos de ‘identidade nacional’ (e.g. falou-se de tradições, gastronomia, música, literatura, desporto, figuras públicas, paisagem, arquitetura, símbolos nacionais e outros) e os alunos observaram e falaram sobre trabalhos de arte de artistas Europeus, tais como Sean Hillen, The Oracle at O'Connell Street Bridge, Irlanda (do banco de imagens do CC). IG disse o seguinte: “Os alunos criaram um painel coletivo onde descreveram, analisaram e exploraram criticamente imagens visuais em diferentes fontes, tais como a internet, jornais, revistas, palavras escritas resultantes da síntese dos debates sobre a situação social presente e passada. Assim, este trabalho apresenta a estrutura formal da obra de Sean Hillen, resultante da análise da evolução de uma cidade - passado, presente e futuro - e inclui as perceções dos estudantes sobre a atual situação Portuguesa e Europeia (o passado recente- Europa e os grandes ditadores dos séculos XX , Portugal e a Revolução do 25 de Abril, o presente e o futuro – a crise do euro, a instabilidade social, a fome, a ausência de valores num regime democrático, o poder político dominante, o poder do dinheiro)” (Diário de IG, 2013).
A facilidade de acesso a fontes materiais relacionadas com Portugal e Europa e Arte dos séculos XX até ao presente, encorajou os estudantes a falar sobre valores de cidadania  e a responder a diversas questões tais como: Que ideias, sentimentos e emoções se podem expressar através da arte? Que palavras relacionam com Portugal e Europa no momento presente? Qual o significado do conceito de identidade? Quem sou eu e de que forma sou diferente dos outros? Quem somos nós e como podemos ser caracterizados como nação? Podemos reconhecer a expressão de identidade numa obra de arte? Como podem os conceitos de identidade, arte e tradição ser articulados num trabalho coletivo de arte?
 Os estudantes puderam aplicar os conhecimentos adquiridos ao discutir questões históricas com impacto cultural, artístico e político a nível local, regional e nacional, explicar o significado de conceitos de arte e identidade Europeia, evidenciando competências de comunicação verbal e escritas, como resultado das suas experiências culturais e da participação ativa e produzir um trabalho de arte bidimensional, onde exploraram a sua identidade cultural.
Todo este percurso criativo foi partilhado com colegas e uma professora da República Checa, numa reunião via Skype e nos blogs do CC. O seu sentido crítico foi sendo promovido através de exercícios de análise crítica, que lhes permitiram descrever, analisar e interpretar arte de diversas culturas Europeias. Isso permitiu que IG verificasse a forma como as ideias e o vocabulário artístico se iam modificando, como resultado de tais discussões e das situações criadas por IG. Finalmente o terceiro passo consistiu na escolha da técnica da colagem, como meio de expressão seleccionado para aplicarem as suas competências artísticas e tecnológicas de forma eficaz na criação de um painel colectivo subordinado à educação para a cidadania, através da representação de questões políticas. Mas o que modificou em consequência da acção? Os dados foram recolhidos e analisados qualitativamente, procedendo-se à seguinte análise de conteúdo:
Intervenção Curricular
A força desta intervenção curricular consistiu no exame do papel do diálogo no trabalho educativo orientado para a educação cívica através das artes. A análise dos dados recaiu sobre  o vocabulário verbal e visual utilizado  semanalmente, como resposta às questões chave e às estratégias utilizadas. A análise e interpretação dos dados foi desenvolvida de acordo com o tema da intervenção curricular, tendo sido respeitadas as diversas interacções e identidades. A investigação acção permitiu à professor participante (IG) recolher extensa informação detalhada da amostra dos seus vinte estudantes.  
Atitudes dos Estudantes
A motivação usada a partir do uso do banco de imagens do CC facilitou o contacto com artistas de diferentes contextos culturais. Ficou claro que todos estavam muito motivados e que o projecto lhes proporcionou mais experiências enriquecedoras e significativas sobre a arte, os contextos culturais ondes as obras analisadas tinham sido produzidas. Ao longo da implementação da investigação - acção, IG pode observar as atitudes e comportamentos dos seus estudantes relativamente à arte contemporânea e aos novos conceitos de cidadania e concluiu que as abordagens curriculares formalistas em arte, não mais deveriam ter lugar no futuro nas suas salas de arte e comentou: As teorias modernistas são limitativas porque não se adequam ao estudo da arte pós-moderna. O conteúdo das minhas conversas enfatizou interpretações que se relacionavam com a origem, os papeis da arte na sociedade e ao estudar o contexto social e cultural das obras de arte, permiti aos estudantes que reflectissem e questionassem as suas crenças e valores (IG, 17 Setembro, 2013). IG considerou, no entanto que não foi dada a oportunidade suficiente aos estudantes para usarem os blogues. Ela sentiu que a comunicação internacional e os blogues deveriam ter sido considerados na planificação das aulas e como parte integrante do processo de ensino-aprendizagem, e acredita que isso teria evitado a superficialidade e pobreza de comentários que foram realizados pelos estudantes.
Entendimento Cultural e Social do Mundo
Outro resultado significativo que não tinha sido previsto no planeamento da investigação, mas que acabou por espontaneamente se evidenciar, foi a constatação da necessidade de dar oportunidade aos estudantes desse relacionarem com actividades artísticas que vão para além das simples actividades de auto-expressão criativa, que se lhes costuma proporcionar. As observações participantes também mostraram que IG considerou pertinente a compreensão de uma abordagem cultural transdisciplinar e que ela está dependente de conhecimentos de diversos campos, tais como História e Sociologia e argumentou que as diferentes estratégias foram muito importantes para o sucesso deste projeto. A componente crítica na abordagem curricular da arte foi também sentida como uma componente fundamental, assim como o uso do vocabulário artístico, que contribuiu e facilitou o desenvolvimento verbal ativo. A análise qualitativa do trabalho oral e escrito dos estudantes permitiu a recolha de evidências que mostram os efeitos positivos que o envolvimento na actividade crítica trouxe ao painel colectivo dos estudantes. Um estudante disse o seguinte: O passado tem a ver com a ausência de direitos humanos, o tempo da ditadura, da atual crise e o futuro foi representado pelos edifícios feitos com notas de dinheiro, moedas de euro, porque o dinheiro é que controla.
Familiarização dos alunos com questões sociais contemporâneas
Relativamente à compreensão social e cultural do mundo em que os estudantes vivem, estou de acordo com Silva (2000) quando afirma que o envolvimento dos estudantes na interacção e comunicação com colegas Europeus, pode funcionar como um recurso crucial no desenvolvimento da compreensão transcultural dos estudantes. Os comentários registados por IG no seu diário e os do observador externo, mostram que as estratégias de diálogo e análise de imagem facilitaram a familiarização dos estudantes com a arte contemporânea e questões sociais. Os indicadores de sucesso podem ser sintetizados da seguinte forma: desenvolvimento de noções de identidade Europeia através da análise de imagens; envolvimento dos participantes no processo de ensino- aprendizagem com a arte Europeia contemporânea; ideias educacionais culturalmente diversas; abordagem integrada, interdisciplinar e humanística; acesso facilitado a um banco de imagens e recursos Europeus (I&I) que ajudam a promover a educação ao longo da vida; conteúdos flexíveis e relacionados com a vida do quotidiano  e promoção da integração interdisciplinar. IG comentou: “foi muito importante para mim o desenvolvimento de cooperação e partilha internacional, que promoveu padrões de pesquisa académica, criatividade e maior qualidade no ensino-aprendizagem” (Entrevista a IG, 17 de Setembro, 2013). Esta equipa desta escola comparou o trabalho artístico ao literário, por causa da leitura e análise semiótica das diferentes imagens envolvidas, da sua interpretação, da descodificação de complexas imagens visuais ao longo dos debates semanais. Esta estratégia ajudou-os a focar os efeitos que o poder tem na validação do conhecimento sobre a arte, usando a técnica da desconstrução na análise e reconhecimento dos múltiplos códigos que os trabalhos de arte podem encerrar (Efland et al, 1996). IG usou também a análise de imagens dos meios de comunicação como um estímulo para o tipo de diálogo que permitiu a introdução dos conceitos de cidadania.

Reflexões
Esta investigação – acção em pequena escala permitiu concluir que as escolas devem dar mais oportunidades aos estudantes para contarem as suas histórias, de forma a que (i) aprendam a conhecer outras identidades; (ii) compreendam outras identidades; (iii) estejam conscientes dos fatores que modelam as identidades; (iv) desenvolvam crenças e comportamentos sobre direitos humanos, valores de cidadania  na comunidade escolar; (v) aceitem as diferenças dos outros; e (vi) reconheçam a importância da análise de imagens como uma ferramenta educacional e uma oportunidade para reflectirem sobre as histórias pessoais, locais e nacionais (ver Fig. 2).
A cidadania através das artes necessita de uma perspetiva que enfatize a análise da arte em contexto. IG disse: “Os estudantes associaram-se às duas propostas e participaram entusiasticamente nas lições com grande envolvimento e dedicação, expressando um sentido crítico aprofundado e uma forte preocupação com a actual situação do país e da Europa. Nunca vi estudantes tão politizados, mas acredito que as suas famílias e os meios de comunicação têm uma grande influência na consciência que eles evidenciaram sobre este tema. ‘Professora, o dinheiro controla!’ (este foi o comentário de um estudante com dez anos, durante um dos muitos debates ao longo do projeto)”(IG, diário). A necessidade de tal abordagem já foi reconhecido por Allison em 1988, que referiu que ela afeta ‘não só a saúde estética da sociedade e da comunidade, mas também as dimensões da vida actual, nas dimensões económica, industrial, social, cultural e política’ (p. 182).
É difícil dar visibilidade a todas as dimensões que estiveram envolvidas neste projeto e refletir sobre ela, tendo como pano de fundo um estudo empírico de pequena escala num agrupamento de escolas de 2º e 3º ciclo, da zona Norte de Portugal. Para que tal experiência possa ser formativa na comunidade onde se desenvolve, deve existir abertura entre os seus agentes de mudança, através de uma constante interação, trabalhando com os estudantes um tema gerador que promova uma consciência crítica, enfatizando a realidade histórica dos estudantes, como uma ferramenta forte e séria da actividade pedagógica na educação para a cidadania, pois quando esta oportunidade de olhar o passado e o presente, é dada aos estudantes, eles ficarão mais aptos a crescer em direcção a uma vida futura mais rica no seu ambiente. DB, um menino de dez anos disse: “ Eu gostei de fazer o painel coletivo, porque nós pudemos mostrar o que pensamos sobre o nosso país e também sobre a forma como a Europa controla o nosso dinheiro”. A pesquisa demonstrou também que as teoria e as práticas nacionais e internacionais relacionadas com cidadania e educação artística devem estar acessíveis aos professores de forma a que eles possam refletir sobre elas e adaptá-las aos seus contextos escolares.

Fig.1 - Self-portrait - José de Guimarães (ArtWorkDatabase)

Fig.2 – Students’self-portrait

Fig.3 - The Oracle at O'Connel Street Bridge, Irelantis - Sean Hillen (ArtWorkDatabase)

Fig.4 –Collective Panel - Final

Fig.5 –Collective Panel - Detail

Fig.6 –Collective Panel - Detail