Vila Praia de Âncora - Portugal

Autores: João Moura Alves, membro da equipa portuguesa do CC, Escola Superior de Educação - ESEVC, Instituto Politécnico de Viana do Castelo e Manuelina Danin Correia, professora participante, Escola Básica de Vila Praia de Âncora, Portugal

Contexto

A Escola Básica de Vila Praia de Âncora está situada em Âncora, Portugal, a cerca de dez quilómetros dos centros populacionais mais próximos, como Caminha ou Viana do Castelo e pertence ao Agrupamento de Escolas do Vale do Âncora (AEVA). O grupo é composto por oito instituições de ensino, frequentados por estudantes de contextos rurais e urbanos.

Este grupo de escolas definiram como suas principais prioridades, por um período de quatro anos, a promoção da inclusão dos alunos e do sucesso educativo dos alunos em risco educacional (quer devido a problemas clínicos ou sociais), favorecendo atitudes de respeito pela diferença e de solidariedade entre todos os membros. A diversificação de estratégias de ensino e abertura à inovação sempre foram pontos-chave para a integração e sucesso pessoal dos estudantes, numa longa e reconhecida tradição que envolveu vários projetos de sucesso, que foram premiados com vários prémios locais e nacionais. Para alcançar os seus objetivos, a AEVA colabora frequentemente com outras instituições, quer através de acordos de curto prazo quer através de parcerias duradouras.

Este estudo envolveu, em particular, a colaboração de uma professora da Escola Básica de Vila Praia de Âncora, chamada Manuelina Danin Correia (MDC). Ela é uma professora de arte num nível de ensino médio (11/ 13 anos), tem uma licenciatura e um mestrado em Educação Artística e tem cerca de 22 anos de serviço. A pesquisa também envolveu uma turma de 20 alunos da mesma escola ( 11F e 9M ), com idades compreendidas entre 11 e 13 anos, todos do 6º ano de escolaridade. Há dois alunos com dificuldades de aprendizagem específicas, apoiadas pelo programa "Necessidades Educativas Especiais" e beneficiando, assim, de um plano educativo individual, intitulado "Adaptações Curriculares Individuais". Há também quatro estudantes que frequentam um "plano de recuperação" e outros três que atendem um "plano de monitorização". Cerca de metade dos pais destes alunos têm qualificações do ensino secundário e cerca de 30% dos pais têm um diploma do ensino superior. A outra metade teve educação básica, embora a maioria sem conclusão. Trabalham em diversas áreas, como negócios locais, construção, indústria alimentar e serviços.

Objetivos e metodologia

A importância da leitura crítica de imagens como uma estratégia curricular tem merecido uma atenção crescente por vários investigadores da área da educação artística (Allison, 1972; Feldman, 1982; Thistlewood, 1989; Taylor, 1992; Parsons, 1992; Hall, 1997 e outros). O seu trabalho inspirou gerações de professores, a nível nacional e internacional, em vários níveis de ensino. Na verdade, o uso de imagens de diversas fontes como ferramentas pedagógicas tem sido considerado fundamental para o desenvolvimento de habilidades analíticas e percepção crítica (Allison, 1972), e também tem sido usado com sucesso para fazer os alunos refletir sobre importantes conceitos históricos, culturais e sociológicos, como foi demonstrado com o projeto "Imagens e Identidade " (2010).

Com base em todas estas estratégias bem-sucedidas, o objetivo deste estudo residia na compreensão de como os alunos perceberam, através da arte, vários conceitos-chave, tais como: Identidade, Cultura, Património, Apreciação Artística e Arte Contemporânea.

Decifrar uma mensagem visual, descrever e interpretar, é uma tarefa recomendada por muitos especialistas em educação artística, como Feldman (1982), Taylor (1988), Parsons (1992), Moura (2000), Barbosa (2005) e Hernandez (2006), sugerindo diferentes modelos de leitura de imagens para responder a perguntas como: "Como são as imagens geradas?", "para quem?", "Por quê?". O trabalho de campo envolveu o desenvolvimento de uma perspectiva crítica no aluno, bem como a conscientização geral sobre questões de identidade (nacional e europeia). Os alunos também foram incentivados a desenvolver o gosto pela Arte, bem como a desenvolver a linguagem e habilidades de escrita que lhes permitam descrever, analisar, interpretar e avaliar o trabalho artístico usando o vocabulário específico da Arte. Os alunos visitaram uma exposição de Arte Contemporânea onde falaram com o artista sobre o seu trabalho e as inter-relações entre as formas visuais criadas por ele e toda a estrutura da sociedade e os alunos entenderam que as obras de arte podem ser lidas de várias formas. Foram então convidados a associar as imagens observadas, descrevendo cenas de violência doméstica, com base na sua experiência pessoal e compartilhar com a turma uma reflexão crítica sobre o processo. Eles foram finalmente convidados a rever esta experiência e expressá-la através de sua própria pintura, explorando a expressividade das cores e outros elementos da gramática visual. Os alunos foram convidados a interpretar a sua identidade pessoal através da mediação dos muitos elementos que ajudaram a moldar a sua identidade e, ao mesmo tempo, refletindo sobre a mobilização desses conhecimentos através da realização artística.

O estudo

O estudo foi realizada ao longo de 4 semanas, em sessões de uma hora e meia semanais. Foi obtida permissão dos pais para observar os alunos a trabalhar, para os fotografar a trabalhar e usar imagens do seu trabalho para fins de investigação. Também foi obtida permissão do artista para o uso da sua obra para fins académicos. A metodologia baseou-se em investigação-ação e envolveu, em cada sessão, um ciclo de três etapas: (1) Elaboração de materiais educativos e de novas estratégias curriculares; (2) Execução das estratégias previamente elaboradas e recolha de opiniões dos alunos e outros dados relevantes e (3) Avaliação do processo educacional. Os dados foram recolhidos através de diversos métodos, tais como o uso de instrumentos de registo e observação direta que incidiram principalmente sobre as respostas e reações dos alunos; os trabalhos dos alunos, seja por escrito ou por expressão plástica, como meio de lhes dar voz; Diário e entrevista do professor de arte participante.

As duas primeiras sessões (3 horas) centraram-se na discussão sobre o conceito de identidade, utilizando imagens dos alunos como símbolos para o conceito de "Europa". Cada estudante foi convidado a gravar, por escrito, a sua/seu ponto de vista associado com as imagens selecionadas e para compartilhar com os colegas uma reflexão crítica sobre as imagens selecionadas. Na terceira sessão, os alunos visitaram uma exposição de Arte Contemporânea, na galeria Guntilanis, em Vila Praia de Âncora (Figuras 1 e 2), onde falaram com um artista sobre o seu trabalho, em termos de produção, de sentido e de conhecimento social. Eles tentaram relacionar a cor, forma e perspectiva com a sua função simbólica, dando exemplos concretos de emoções, sentimentos, símbolos e ilusões ópticas que transmitiam. O professor enfatizou uma abordagem construcionista ao significado da linguagem.

Fig1.Alunos visitam uma exposição de arte contemporânea e discutem as pinturas com Barros Lima, o artista.

Fig2.Um exemplo de uma pintura de Manuel Lima chamada "O Burro", retratando a violência doméstica.

Na quarta e última sessão, os alunos foram convidados a associar duas ou mais imagens do trabalho que tinham observado na sessão anterior e, a partir disso, desenvolver a sua própria pintura. Através deste exercício, os estudantes deveriam não só demonstrar os seus conhecimentos sobre elementos artísticos, mas também ser encorajados a transmitir uma mensagem sobre identidade através da pintura que estavam a executar (Figuras 3, 4, 5 e 6).

Fig3.Alunos a pintarem em tela.

Fig4.Pintura representando a culinária tradicional Portuguesa.

Fig5.Desenho representando a matança do porco, como elemento da identidade cultural Portuguesa.

Fig6.Desenho representando o jantar em família, um dos aspectos tradicionais da cultura Portuguesa.

Reflecção

Em geral, as estratégias elaboradas foram bem sucedidas pois alcançaram os objetivos propostos. A utilização da base de dados de imagens do “Creative Connections”, disponível para todos os professores do projeto, foi considerada, pela professora participante (MDC), como um dos fatores mais importantes para o sucesso deste estudo. No entanto, alguns aspectos desta base de dados de imagens pode ser melhorada, como a disponibilidade de todas as imagens para todos os professores.

Os debates em torno das mensagens por detrás de várias imagens de Berenika Ovčáčková, Markku Laakso, Sónia Pulido e Michael de Brito também foram considerados muito importantes para promover a discussão sobre vários temas, bem como para aumentar a consciência do aluno sobre os problemas que envolvem a sua vida diária, utilizando a sua consciência crítica e relacionando-a com as finalidades da Arte na sociedade e por apresentar e defender as suas opiniões, sem viés. Na verdade, a "crise" é o tema mais popular entre os estudantes e foi recorrente em quase toda a discussão. Como aos alunos estavam a ser mostradas várias imagens retratando obras de arte, o interesse e o entusiasmo cresceu neles, estando ansiosos para verbalizar sobre elas. Em paralelo, os alunos revelaram uma receptividade maior e mais confiança na preparação do trabalho proposto. A atenção estava mais focada nessas obras que lhes deram a oportunidade de ser ouvidos sobre as questões que faziam parte das suas vidas diárias. Enquanto as imagens selecionadas foram sendo exibidas, os alunos foram incentivados a examiná-las criticamente. Apenas a nacionalidade do artista e o título foi mencionado, em cada imagem apresentada. A tradução das informações contidas na base de dados de imagens só foi apresentada aos alunos após a análise das imagens. Os alunos leram os comentários dos artistas com muita curiosidade e, por vezes, mudaram a sua interpretação da obra de arte exibida. Em paralelo, as competências linguísticas foram sendo desenvolvidas, bem como a escrita e a capacidade crítica. Os alunos foram convidados a se relacionar emocionalmente com as imagens que estavam a ser apresentadas e a refletir sobre a representação, como produção de sentido através da linguagem, discurso e imagem. Os estudantes exploraram a representação como uma prática significante, através do uso do desenho e pintura na construção da identidade. Eles discutiram questões importantes, tais como a crise económica, a violência, a internet, a tradição/globalização e os valores familiares.

No entanto, apesar da sua novidade, era geralmente aceite por todos os envolvidos neste estudo que este projeto falhou em alcançar os seus objectivos em relação ao uso de blogs entre os adultos e estudantes. Foi geralmente sentida, especialmente pelo professor participante, que todos deveriam ter tido mais apoio no uso dessas tecnologias, especialmente no que diz respeito à ligação on-line das escolas através de blogs. O acompanhamento sistemático ou uma avaliação intermediária do uso desse recurso teria evitado a superficialidade das poucas respostas que estavam sendo colocadas na Internet, minimizando o problema. Deveria ter sido alocado tempo para a assimilação das potencialidades desta nova ferramenta para a interação entre as escolas, bem como para a sua integração nas estratégias curriculares e pedagógicas .

Quando os alunos foram convidados a escolher as imagens que melhor descrevesse a Europa e explicar por que eles sentiram que a sua escolha seria representante da UE / Europa, a maioria dos estudantes mostrou algum desconforto em iniciar a atividade. Também foi perceptível que a maioria dos alunos tinha apenas uma vaga noção sobre as questões europeias e foram apenas capazes de identificar alguns aspectos do tema. No entanto, eles estavam cientes de que Portugal e outros países europeus estavam a enfrentar uma grave crise económica, com aumento do desemprego. Uma vez que, pelas razões já descritas, os alunos não foram capazes de comunicar as suas ideias com os colegas de outras escolas, eles não foram capazes de compartilhar e discutir diferentes perspectivas sobre cidadania europeia, que poderiam ter surgido de diferentes escolas e culturas. No entanto, refletindo sobre conceitos de cidadania nacional e europeia, identidade e tradição, através da Arte, os estudantes desenvolveram não só uma melhor compreensão dos conceitos em si, mas também de como a Arte pode transmitir sentimentos, ideias, crenças, emoções e valores de uma memória coletiva. Além disso, o feedback dos estudantes reflete um maior envolvimento e motivação, bem como o reconhecimento da importância da identidade como um agente cultural que também resultou no fortalecimento de sua auto-imagem e auto-estima.

Ao refletir sobre o conceito de identidade, os alunos salientaram algumas ideias-chave comuns, como: (1) o seu conjunto de características únicas; (2) o que eles viveram; (3) o que as suas famílias foram e (4) a ideia que eles tinham de si mesmos e dos outros. Nesta reflexão, encontraram a necessidade de fazer comparações entre pessoas de outros lugares, outras línguas, outras culturas, outras ideias e assim descobrir as diferenças e semelhanças. Estas abordagens levaram os alunos a entender e aprender mais sobre a Europa e forneceram um forte estímulo para o desenvolvimento de uma análise crítica da sociedade em geral. Um estudante resumiu essa nova consciência social e política com a frase:
"Quando eu visito um país como a Alemanha, Áustria, com todo o seu património natural e artístico, até me esqueço de que a Europa está a atravessar uma grave crise económica. Países como Portugal, Grécia, Espanha e muitos outros, apesar da sua beleza natural e arquitetura, estão a lutar para manter o seu padrão de vida a que estavam habituados. De quem é a culpa? Ninguém parece saber. Uma coisa é certa: a palavra "crise" está para ficar."
João Moura Alves, 13 de Novembro, 2013